Monday, December 02, 2013

    Eu nunca gostei da bella Nigella, com seus decotes, sua pele imaculada, sua voz rascante e sexy. Mas a moça sempre foi inteligente e bem humorada. E do nada criou aquela domestic goddess e a sua cozinha gastro porn, arrebatando as inglesas de classe média, que correram em desespero pra comprar a ideia de que é possivel ser perfeita nos tempos atribulados de hoje e equilibrar carreira, filhos, maridos, coquetéis e festas sem perder o rebolado, a malemolência e a elegância. Tudo muito retrô, embalagem anos 50. Seus livros vendiam feito banana pelo mundo todo, um best seller depois do outro. E o mito se perpetuava, a deusa galgava o Olimpo em velocidade vertiginosa.
   Claro que por trás de tanto verniz, a moça não era perfeita, era como todos nós, seus humildes súditos, com dramas e problemas variados, devia até fazer xixi.
    E seus dramas só aumentavam seu apelo, afinal quem não simpatiza com um mito que sofre? Que é quase humano, que entende os sofrimentos dos comuns mortais?
   Nigella era jornalista, jovem, bonita, casada com um colunista famoso, filha de lord. Mas havia a morte da mãe e da irmã(ambas de cancer) e a lenta e dolorosa agonia do marido, John Diamond, que decidiu narrar seus últimos estertores do alto de sua coluna no Independent. John Diamond perdeu sua batalha sangrenta e pública contra o câncer de garganta e a jovem viúva virou a mais bela santa do país desde Lady Diana Spencer. Só, triste e lânguida, com dois filhos pra criar, ela inventou um personagem que imediatamente a catapultou à fama e à fortuna.
    Nada grudava na pele de Teflon da trágica Nigella. Não adiantaram os constantes boatos de colunistas falando de compra de receitas culinárias, as críticas ao seu rápido casamento com o amigo bilionário do marido morto, nem mesmo algumas reclamações de seus súditos de que suas receitas não funcionavam na prática. Santa Nigella seguia firme reinando do alto de seu altar luxuoso. A vida parecia fácil e muito glamurosa pra nova Nigella, uma sucessão incessante de festas, muito champagne, marido rico, filhos lindos, sucesso. Era a mulher perfeita. A única  Deusa reinando absoluta num Olimpo vazio de concorrência enquanto os invejosos se contorciam em cólicas de bile infeccionada.
    Mas, meses atrás surgiram umas fotos feias nos jornais, Nigella sendo agredida pelo marido, o bilionário Charles Saatchi(o maior colecionador de arte do país) num restaurante. Nem tudo ia assim tão bem no Olimpo. Santa Nigella era mais uma vez vítima do  destino cruel, sendo estrangulada pelas brutas mãos do marido vilão, que ainda a sacudiu pelo nariz com grande estardalhaço. Nossa heroína fugiu aos prantos, voltou pra casa e tudo voltou ao normal até as tais fotos serem publicadas semanas depois.
    As manchetes dos jornais eram todas espetaculares. O bilionário tentou explicar que não era nada, uma briguinha boba, brincadeirinha de marido e mulher. Não adiantou. O circo estava armado, virou o monstro do dia. Nigella não disse nada, não se explicou ou defendeu o marido. A polícia decidiu investigar o caso(violência contra mulher é crime sério), a imprensa não largou o apetitoso osso e a Deusa atendeu aos apelos indignados da plebe e pediu o divórcio. Que vinha se arrastando cheio de acusações e mágoas.
    Agora aparece um processo do ex marido contra duas das assistentes da Deusa que parecem ter abusado no uso dos cartões de crédito do nosso vilão com o conhecimento de nossa bella, que autorizava o golpe pra não ser dedurada ao marido, que nada sabia de sua vida de usuária pesada de cocaina, maconha, tranqulizantes e outras cositas mas... Tudo isso na companhia da supostamente também drogada filha Mimi.
    O ex marido foi pro tribunal depor contra a amada, ainda assim protestando amor eterno.
   Era o começo do fim de Nigella, gritavam todos os jornais e revistas, ela era boa demais pra ser verdade, e os boatos mais cabeludos voavam pelos ares. Todo mundo prevendo o fim de sua carreira, onde já se viu uma doidona na cozinha?
   Essa semana é a vez da trágica Nigella enfrentar os tribunais. O mundo espera feito urubú por sua derrocada.
    Já eu, mudei de opinião e gosto dessa Nigella de agora, ainda mais humana, menos inatingível. E acho um horror que ainda se julgue uma mulher assim. Drogas, calmantes e bebidas são coisas comuns na classe média atual, quem nunca usou que atire a primeira pedra. E isso anda me parecendo caça às bruxas. E pura misoginia, afinal, fosse ela homem, como Gordon Ramsay(que também vive cheio de baixarias na vida pessoal) e ninguém faria tanto barulho.
   O problema mesmo é essa mania de se vender e se comprar sonhos de perfeição, o que sempre acaba em lágrimas e lama. Talvez Nigella nunca tenha sido mesmo santa, veremos. Mas eu não vou me juntar ao coro dos indignados.

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