Saturday, October 19, 2013

    Aqui no chateau o telephone fixo nunca serviu pra nada, além de conectar a internet. Nós nem tínhamos aparelho há muitos anos. Nunca nos fez falta. Todos temos celular, mesmo que eu não use o meu desde 2012. Ele vive desligado na bolsa, nem sei se ainda está respirando. Trata-se de um daqueles Nokia dos mais antigos, básicos e quase inúteis em comparação com os smartphones de agora. Não recebe e-mails nem possui câmera.
   Acontece que eu detesto telefone, tenho fobia, pânico. O tocar do telefone me tensiona os nervos, me desequilibra, me faz imaginar desatres, catástrofes e  a morte de entes queridos distantes.
   Eu normalmente falo mais pelo Skype, ainda assim muito pouco.
   Então vivíamos contentes e elegres. Até que outro dia, a Duquesa de Deptford, essa eterna caçadora de inconveniências,  descobriu um aparelho vermelho, vintage, mid century modern(de acordo com a "especialista"), no fundo empoeirado de algum armário ou gaveta. E prontamente o adicionou à decoração da casa, insistindo em conectá-lo na tomada, mesmo depois dos meus discretos protestos.
    Eu argumentei pela inutilidade da coisa, pelo anacronismo. Mas não funcionou. Ela insistiu que precisava frequentemente usar um aparelho fixo, embora nunca tenha reclamado da ausência de um ou tenha sido vista lhe fazendo uso desde então.
    Agora eu vivo pela casa com os nervos à flor, aos sobressaltos e aos pulos. Além de tudo a geringonça é estridente.
    Claro que a  Duquesa nunca atende aos chamados do encapetado, ocupadíssima com os muitos dramas de sua vida de aristocrápula. E são sempre vendedores, pesquisadores e outros criminosos do tipo. A coisa começa a tocar lá pelas sete da manhã e prossegue com o terrorismo pelo resto do dia. Todo dia, incluindo sábados, domingos e feriados.
   Hoje pela manhã, o bombardeio, como sempre, começou logo cedo. E embora com os nervos esticados, eu me fiz de morto. O que não adiantou muito. Eventualmente, eu fui forçado a me levantar, descer e xingar o infeliz do outro lado com os nomes mais cabeludos que eu aprendi da língua inglesa nos meus primeiros dias na cidade, quando trabalhava as calçadas da Oxford Street(não tenham ideias animadas, eu distribuia panfletos sob neve e vento, me tremendo o dia inteiro sob temperaturas abaixo de zero por uma grana indigna).
   Josephinne, ouvindo meus gritos, deixou o leito nupcial lesbian chic e correu escada abaixo. Pra me encontrar furibundo, com as veias do pescoço saltando e jurando vinganças sangrentas. Após me acalmar, concordamos que a coisa não faz mesmo sentido e desligamos o medonho da tomada.
   Eu passei o resto do dia mais calmo.
   Mas faz pouco eu vi a nossa duquesa de livro da Barbara Cartland, muito sorrateiramente, ligar o telefone de volta na tomada.
   Nem o famigerado Instituto Royal tortura assim os beagles bonitinhos. Me libertem das garras dessa tirana!

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